Parece que as feiras do Nordeste ficaram pequenas para a Literatura de Cordel, por isso ela encontrou no Instagram uma forma de ultrapassar fronteiras municipais e estaduais e chegar na tela do smartphone de qualquer um, em qualquer lugar.
Poetas brasileiros aderiram à plataforma para compartilhar essa herança recebida de seus avós nordestinos, compartilhando com todo o país essa arte que é tão brasileira. Hoje, são mais de 75 mil postagens com a hashtag #cordel.
Apesar de os poetas serem novos e o meio de compartilhar também, os poemas seguem a mesma estrutura de uma poesia de Cordel impressa, com seis ou sete versos. O design das publicações também não perde nada para os folhetos que são vendidos em mercados das cidades do interior nordestino. Críticas sociais e políticas seguem presentes, além de enredos que enaltecem o Nordeste, mas os novos escritores encontraram um jeito de dar um toque de século XXI para os poemas: as histórias digitais também servem para contar aventuras de botecos.
O movimento da poesia popular nordestina nas redes sociais dá visibilidade para essa cultura e rompe com um padrão de rede social heterogêneo. Sua principal contribuição, no entanto, é o fato de fazer surgir novos poetas em diversas regiões (como São Paulo e Brasília), que ainda assim falam em um idioma “nordestinês”. O movimento é novo, mas mantém raízes de resistência e o registro da visão do povo.
O Cordel sempre foi uma forma de luta e de resistência, exatamente pelo seu cunho popular. Ele se popularizou no Brasil por volta do século 18 e contava suas histórias de um jeito simples, para que toda a população entendesse. Ele era usado pelos camponeses, por exemplo, para denunciar políticos da região, arbitrariedades de autoridades e o cangaço. Cordel é patrimônio! E por isso é preciso entender sua história.
No passado, intelectuais da literatura brasileira viam as obras como poesia “analfabeta”. Usavam dessa desculpa para tachar seus produtores de “quem não sabe fazer texto”. Talvez essa fosse, na verdade, só uma forma de tentar esconder e menosprezar sua força, inteligência e poder de comunicação de quem consegue falar com o povo (com todos eles).
Nos dias atuais, parece que a coisa não mudou muito. Recentemente o presidente Jair Bolsonaro chamou governadores do Nordeste de “paraíbas”, termo pejorativo usado em partes do Sudeste. Essa situação fez com que o histórico de luta, crítica e resistência voltasse a tona. Um dos novos poetas do Instagram, Ailton Mesquita, mergulhou nessa onda para responder com toda força nordestina, afinal, “falar do Nordeste é assumir um lado, o lado da diversidade e do respeito” e nós concordamos, Ailton!
Professores, pedagogos, jornalistas e claro, poetas integram a equipe de artistas no instagram.
Essa diversidade está presente nas profissões, mas também abriu espaço para novos gêneros. As redes sociais deram abertura para mulheres cordelistas, já que antes, esse universo, assim como tantos outros, também era dominado por homens. Essa desigualdade pode ser vista na própria Academia Brasileira de Literatura de Cordel, onde das 40 cadeiras, 36 são ocupadas por homens.
Jarid Arraes é uma das poetisas e cordelistas e foi a responsável por levar seus versos para a Flip, Festa Literária Internacional de Paraty. Suas poesias além de serem dedicadas principalmente às mulheres negras, trazendo-as para o centro das narrativas do Cordel, também resgatam o gênero da literatura brasileira.
Em São Bento, Carlos Fernandes também posta seus versos ultrapassando fronteiras pelo celular. Sua história, no entanto, começou com seus avós, enquanto lia para eles cordéis sob a luz de uma lamparina, na cidade em que nem energia elétrica havia.
Amigos designers também deram uma ajudinha para manter viva a identidade visual desses poemas. Ailton Mesquita pediu uma ajuda para começar e hoje seu perfil soma mais 60 mil seguidores acompanhando os cordéis que são postados, fielmente, todos os dias.
Os novos cordéis, são feitos por nordestinos, paulistanos, brasilienses. São tradição com gosto de novidade e vice versa. São para todos e são bem brasileiros, assim como o gênero, como os poetas, como os leitores e como todos nós que (querendo ou não) carregamos um pouquinho do Nordeste dentro do peito.
Benetton Comunicação
Por: Gabriele Fernandez
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