postagem de 21 de Março de 2019

A diversidade, o lacre e o lucro

A diversidade, o lacre e o lucro
O que ontem era impensável hoje se mostra indispensável e a cultura pop, apesar das turbulências, caminha a passos largos em direção à diversidade

Depois de lançar, em 2018, o filme Pantera Negra, aclamado por crítica e público, com mais de um bilhão de dólares de bilheteria, vencedor de três Oscars (trilha sonora original, figurino e direção de arte, todos recebidos por mulheres negras), colocando pela primeira vez um super herói negro no papel principal; e Capitã Marvel em 2019, que já possui o recorde de segunda maior bilheteria no final de semana de estreia em filmes super herói, com 455 milhões de dólares no mundo, a Marvel vai continuar em sua busca por representatividade e, consequentemente, ampliação de público com personagens LGBTQ+ nas telonas.

Kevin Feige, presidente da Marvel Studios, respondeu em uma entrevista para Gregory Ellwood do The Playlist, que terão sim personagens LGBTQ+ no universo cinematográfico, e foi ainda mais além, afirmou que serão dois personagens, um novo e um que o público já viu que terá a sua orientação revelada na telona.

Isso pode soar inovador, até mesmo ousado, para um público que tentou boicotar Pantera Negra e Capitã Marvel, sem sucesso, por causa das pautas sociais que os seus protagonistas levantavam, mas não é de hoje que a Marvel vem quebrando barreiras e preconceitos, e ao contrário da máxima repetida a exaustão por quem se opõe a isso, o lacre trouxe não apenas lucro, mas a liderança de mercado à editora praticamente desde que ela iniciou as suas atividades nos início dos anos 1960.

Para vocês terem uma ideia, no primeiro gibi da Marvel, quando ainda nem chamava Marvel, já temos a primeira ousadia: não apenas o Quarteto Fantástico não utilizava uniformes, tínhamos também o primeiro super herói que não queria ser super herói, que não gostava dos seus poderes e cujo grande objetivo era simplesmente ser normal: o Coisa, que se via apenas como um monstro de pedra, e não era nem um pouco feliz com isso.

Em seguida veio a equipe que é A grande metáfora para todas as minorias perseguidas os X-Men e seu lema de lutar por uma humanidade que os teme e odeia. Quando reformularam a equipe em 1975, esse esforço se tornou ainda mais claro, afinal, foram incluídos na equipe um russo, em plena guerra fria, uma africana, um índio, um irlandês, um japonês, um canadense baixinho e invocado e um alemão que mais parecia um demônio. Imagine se tivesse internet naquela época!

Nesse mesmo espírito a editora foi uma das primeiras a debater o vício em drogas em suas páginas, com Harry Osborne, melhor amigo do Homem-Aranha, viciado em heroína; falou sobre o alcoolismo com sua história do Homem de Ferro chamada O Dêmonio na Garrafa, o que inspirou muito do que acontece no filme Homem de Ferro 2; utilizou o X-Men diretamente para criticar racismo, machismo, homofobia e, até mesmo, o fanatismo político e religioso em duas de suas histórias mais famosas: Dias de um Futuro Esquecido, em que os EUA adotam um modelo nazista de campos de concentração para mutantes, e Deus Ama, o Homem Mata, em que um pastor cristão fundamentalista afirma categoricamente que os mutantes são um castigo de Deus sobre a humanidade, um discurso que encontra muito eco no nosso mundo em relação aos LGBTQ+.

Em tempos mais recentes, com os debates sobre diversidade sexual ganhando cada vez mais espaço, seguiu coerente com as atitudes que a fizeram ser uma das maiores editoras do mundo, “tirou do armário” Estrela Polar, do grupo mutante Tropa Alfa, e, para coroar, promoveu o seu casamento.

Não podemos esquecer que mesmo o super herói mais tradicional da editora, o bom moço à moda antiga, Capitão América, estreia seu gibi dando um soco em Hitler, isso em uma época em que os EUA eram neutros à guerra, em que havia um partido nazista muito ativo nos país e que alguns empresários de lá ajudavam ativamente o regime de Hitler. Devemos lembrar que ele foi criado por dois judeus (Joe Simon e Jack Kirby), que ele é filho de imigrantes pobres, que é um desenhista e que morava em Nova Iorque e que, de tempos em tempos em suas histórias, luta contra personagens como o Monge do Ódio, que é inspirado na KKK, Caveira Vermelha, além de constantemente se colocar contra diversas políticas conservadoras.

Olhando toda a história da editora, suas ousadias, suas criações, seu posicionamento ao longo das últimas 5 décadas, essa entrevista de Kevin Feige não é nenhuma surpresa, é simplesmente a continuação de uma postura que vem dando certo tanto comercialmente quanto junto à crítica especializada, e, mesmo que alguns “fãs” teimem em “esquecer”, foram essas posturas e questões que fizeram da Marvel o gigante cultura que é hoje, e demonstra também que, cada vez mais, o mercado não apenas vai "tolerar" essa diversidade em peças e obras, como vai abraçá-la, como a Marvel, e a Disney, já perceberam.

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